Hoje em dia, confiar num profissional da saúde já não é tarefa fácil. Mas confiar num profissional da saúde nas redes sociais? Isso é quase um desporto radical.
Vivemos num tempo em que posts viram teses, comentários valem mais que currículos e, com o feed certo, qualquer um com óculos e um estetoscópio pode parecer um semideus da biomedicina. E como é que se distingue um bom profissional de um influencer com diploma (ou nem isso)? O Igor Eckert lançou 5 sinais de alerta. E nós, por aqui, decidimos transformá-los numa crónica com muito amor, sarcasmo e um toque de indignação saudável.
1. Discordar virou ofensa pessoal
Fazes uma pergunta séria, levantas uma dúvida fundamentada, e és imediatamente rotulado de hater. Não importa se usaste 12 referências, 3 meta-análises e dois gráficos a cores — se questionaste, estás contra. E quem está contra, claro, só pode ter interesses obscuros. Nada como fugir ao argumento usando o velho truque do “o outro tem conflito de interesse”, mesmo que o outro seja só... competente.
2. O uso criativo da evidência científica
Lá vem o famoso print do artigo, sublinhado com marca-texto fluorescente e legenda a dizer “está provado!”. Só que ninguém diz que o estudo era com 5 ratos, numa universidade obscura, com financiamento de uma marca de sumos detox. Mas ei, se tiver um título em inglês e um gráfico bonitinho, parece convincente.
E se a pessoa que está a fazer isso for doutorada e tiver um feed organizado? Ui. Autêntica bomba retórica. Especialmente se for do clube “o glúten causa autismo e a lactose destrói sinapses”.
3. O charme bioquímico
Este é um clássico. Nada como lançar nomes de moléculas, vias metabólicas, receptores e genes para hipnotizar o público. Fica tudo com ar de TED Talk: “A serotonina inibe a recaptação mitocondrial do eixo HPA através do feedback da noradrenalina parabólica.” Não percebeste? Ninguém percebeu. Mas pareceu genial.
E é esse o truque: quando não se tem razão, impressiona-se.
4. O “caso de sucesso” como prova científica
Ah, os milagres clínicos. A paciente que curou a ansiedade com chá de folha de abacate. O atleta que regenerou o menisco com pensamento positivo e argila ionizada. Se há “casos de sucesso”, quem precisa da ciência?
“Cada corpo é único”, dizem. E é verdade. Mas isso não invalida a importância de testar hipóteses em mais do que três pessoas e um gato com osteopatia.
5. O drama vende
Promessas emocionais, vídeos com música épica, olhos a brilhar e a palavra “cura” escrita em caixa alta. Tudo embrulhado num discurso técnico sem qualquer valor prático, mas com o tom certo. E se soa bom demais para ser verdade… é porque provavelmente é mesmo mentira.
Conclusão: o bom senso ainda é tendência
O mundo das redes sociais está cheio de gente bem-intencionada, mas também está cheio de vendedores de esperança com verniz académico. A linha que separa o profissional sério do profissional sensacionalista é fina — mas existe. E passa, quase sempre, pela humildade, pela vontade de dialogar, pela honestidade sobre o que se sabe (e o que não se sabe).
Na dúvida, desconfia de quem tem sempre razão, nunca erra, e responde a críticas com frases como “faz o teu próprio estudo”. Porque, no fundo, ciência boa é ciência com dúvidas. E com espaço para conversa, não só para like.