Nos últimos tempos, tornou-se quase um desporto olímpico partilhar nas redes frases como:
"Estudos dizem que correr é tão eficaz como antidepressivos!"
Ou pior:
"Exercício é a melhor terapia que existe!"
Soa bonito. Motiva. Cria aquela sensação de controlo.
Mas... será mesmo verdade?
Vamos por partes. Ninguém está a dizer que o exercício faz mal à saúde mental - muito pelo contrário. Há cada vez mais evidência de que mexer ajuda, sim, a clarear a cabeça. Mas transformar esse benefício num mantra simplista tipo “faz agachamentos e cura a tua depressão” é, no mínimo, perigoso.
Nem todo o antidepressivo é igual. Nem toda a depressão é igual. Nem todo exercício é igual.
Estudos sobre saúde mental são uma confusão dos diabos. Porque estamos a falar de algo extremamente complexo. Há depressões leves, moderadas, graves, com ou sem diagnóstico, em contextos completamente diferentes. Há antidepressivos que actuam por vias distintas, com efeitos diferentes. E há treinos e treinos - uma caminhada de 15 minutos ao sol não é o mesmo que uma aula de HIIT.
Por isso, quando alguém diz “uma meta-análise provou que o exercício funciona tanto como antidepressivos”, o que essa pessoa está muitas vezes a fazer é simplificar uma sopa científica com dezenas de ingredientes e servir como se fosse um copo de água.
O que é que os estudos mostram mesmo?
Que medir o impacto isolado do exercício na depressão é muito difícil. Porque não dá para “cegar” um grupo - ninguém acredita que não está a fazer exercício quando está a fazer. E isso abre margem para viés: as pessoas já acham que vão melhorar porque estão a tentar melhorar. É o chamado “efeito expectativa”. E sim, isso interfere.
Além disso, 90% dos estudos sobre exercício e depressão são pequenos, frágeis e com qualidade inferior aos estudos sobre medicamentos. Isso não quer dizer que o exercício não ajude. Quer apenas dizer que afirmar que é equivalente ou superior a um antidepressivo já ultrapassa a linha do razoável.
O exercício ajuda? Ajuda. Mas não é uma cura milagrosa.
Mexer o corpo tem efeitos positivos: melhora o sono, regula o humor, dá sensação de progresso e até ajuda na autoestima. Pode ser um ótimo complemento em casos leves e moderados de depressão. E pode ser um verdadeiro salva-vidas em momentos de stress.
Mas também pode ser frustrante para quem não sente “aquele alívio mágico” depois de correr. E é injusto - até cruel - dizer a alguém com depressão grave que “é só ir ao ginásio que passa”.
Conclusão: bora continuar a treinar. Mas com os pés bem assentes na terra.
Prescrever actividade física é excelente. Incentivar hábitos saudáveis é essencial. Mas isso não nos dá o direito de espalhar meias-verdades ou criar narrativas simplistas sobre temas tão sérios como a saúde mental.
Vamos treinar porque faz bem. Porque nos ajuda a respirar melhor, dormir melhor, lidar melhor com o dia-a-dia. Mas sem cair na tentação de dizer que o exercício “substitui” tratamento. Porque não substitui. É parte de uma estratégia maior. E às vezes, o melhor treino que alguém pode fazer... é simplesmente pedir ajuda.