A obesidade como reflexo do nosso tempo

A obesidade como reflexo do nosso tempo

Body Mind Soul |

Durante milhares de anos, os nossos antepassados viveram sem ginásios, sem contadores de calorias e sem dietas da moda. Ainda assim, a obesidade não era um problema relevante. Então, o que mudou para chegarmos ao ponto em que estamos hoje, em que as taxas de excesso de peso e doenças associadas crescem de forma alarmante?

A resposta não é simples. Não se trata apenas de “falta de força de vontade” ou de sermos “mais preguiçosos” do que gerações anteriores. Essa narrativa redutora ignora factores sociais, ambientais e culturais que moldam os nossos comportamentos diários.

Menos movimento no dia a dia

Vivemos em cidades desenhadas para os carros, não para as pessoas. Muitos não têm condições de morar em bairros caminháveis ou perto do trabalho. As longas horas sentados, as agendas sobrecarregadas e a falta de energia no fim do dia resultam em menos movimento, menos gasto calórico e, inevitavelmente, mais sedentarismo.

Mais comida, mas nem sempre melhor

Nunca tivemos tanta comida disponível, acessível e barata. O problema é que grande parte dela é ultraprocessada, pobre em nutrientes e extremamente calórica. Produtos fáceis de armazenar, transportar e consumir, que se encontram em qualquer esquina, competem directamente com os alimentos frescos e naturais.

O peso do marketing

Se antes a alimentação era basicamente uma questão de sobrevivência, hoje é também uma questão de persuasão. A indústria alimentar investe milhões em campanhas de marketing para estimular o consumo constante. Basta ligar a televisão, abrir o telemóvel ou andar pela rua: as mensagens estão por todo o lado, quase sempre a promover fast food e ultraprocessados.

O ambiente obesogénico

A soma destes factores cria aquilo a que muitos especialistas chamam “ambiente obesogénico”: um contexto em que tudo à nossa volta favorece o aumento de peso. Não é que deixámos de ter escolhas, mas fazer as escolhas mais saudáveis tornou-se um desafio muito maior do que era no passado.

Nem só escolhas individuais

Claro que as decisões pessoais têm impacto. Mas reduzir a obesidade a uma questão exclusiva de “disciplina” ou “preguiça” é injusto e simplista. A verdade é que vivemos em condições praticamente perfeitas para ganhar peso. Reconhecer isso não retira a nossa responsabilidade, mas ajuda a perceber a dimensão da batalha.

Entre inspiração e estigma

Promover hábitos saudáveis é essencial. No entanto, quando isso se transforma num discurso moralista, que aponta dedos e julga quem luta com o peso, deixa de ser promoção de saúde para se tornar num tipo de bullying. O estigma da obesidade continua forte, alimentado por quem nunca enfrentou essas dificuldades na pele.

 

Conclusão

A obesidade não é fruto de preguiça nem de falta de carácter. É o resultado de um conjunto de factores que vão muito além da decisão individual e que estão entranhados no modo como vivemos hoje: desde a forma como as cidades são construídas, até ao que encontramos nas prateleiras do supermercado e ao bombardeamento constante de marketing alimentar.

Por isso, mais do que julgamentos, o que precisamos é de criar ambientes que facilitem escolhas mais saudáveis, oferecer informação clara e garantir acesso a cuidados adequados. No fundo, trocar a culpa pela compreensão e transformar a crítica em apoio. Só assim se constrói uma verdadeira promoção de saúde.