Imagina que dentro da tua cabeça vive um supercomputador provisional… mas que, por vezes, trava quando vês um chocolate ao longe. Esse supercomputador é o teu cérebro, e o seu firmware principal está instalado no hipotálamo, uma pequena central que regula tudo: fome, saciedade, ritmo, sono, stress… e, sim, mesmo o quão apetecível é um croissant às três da manhã. Está tudo ali. E os sinais que chegam vêm de vários lados — o que comeste, como dormiste, se andaste ansioso, se tens genes que facilitam a acumulação de gordura — e são integrados para calcular se devemos comer ou armazenar energia.
Mas quem controla mesmo o controlador? É aqui que a neurobiologia dá um twist.
1. Circuitos neurais e sensores bioquímicos
No hipotálamo, existem circuitos como o sistema melanocortina central, que mistura neurónios que produzem NPY (que aumenta o apetite) com outros que produzem POMC — modulando tanto quanto comemos como o metabolismo energético. Quando estas vias funcionam mal, por exemplo por mutação no recetor melanocortin-4, pode surgir obesidade severa.
2. Hormonas que actuam como “mensageiros de bordo”
O intestino e outros órgãos produzem hormonas como GLP-1 e PYY, que são libertadas depois de comermos e informam o cérebro que estamos cheios.
- O GLP-1, secretado por células intestinais e também por algumas regiões do cérebro, aumenta a sensação de saciedade, atrasa o esvaziamento gástrico e facilita a produção de insulina. Os agonistas de GLP-1 (como semaglutida, tirzepatida, etc.) imitam esse efeito, levando a uma perda significativa de peso e reduzindo o apetite.
- Já o PYY, libertado no intestino após a refeição, reduz o apetite principalmente ao desacelerar o estômago, ajudando a prolongar a sensação de saciedade.
3. Mapas cerebrais: o GPS da fome
Recentemente, investigadores criaram um mapa detalhado das células do hipotálamo humano, revelando milhares de tipos celulares e como interagem. Esse atlas, produzido com tecnologias como o sequenciamento de RNA de célula única e transcriptómica espacial, pode orientar o desenvolvimento de medicamentos mais personalizados e eficazes, com menos efeitos secundários.
4. Desafios da farmacologia: do sangue ao cérebro
Ainda há “bugs” no sistema: muitos agonistas de GLP-1 têm dificuldade em atravessar a barreira hematoencefálica e acionar diretamente os recetores cerebrais. Em modelos animais, estimular os próprios neurónios de GLP-1 no cérebro mostrou efeitos mais fortes sobre a redução da alimentação, mas o efeito é temporário. O grande desafio é criar fármacos que atinjam os alvos certos, de forma prolongada e com menos efeitos colaterais, como náuseas.
5. E no dia a dia? Há truques naturais!
Uma alimentação rica em fibras (legumes, cereais integrais), gorduras saudáveis (como o azeite ou os ácidos gordos ómega-3) e proteína magra estimula naturalmente a produção de GLP-1 no intestino. O exercício físico regular também pode aumentar e prolongar os níveis de GLP-1, ajudando a controlar o apetite e melhorar o metabolismo.
Resumindo:
O comando da fome está nas mãos do cérebro, especialmente do hipotálamo, que integra sinais hormonais, genéticos, ambientais e emocionais para regular o apetite. A ciência já consegue manipular parte deste sistema com fármacos como os agonistas de GLP-1, mas os hábitos de vida continuam a ser ferramentas poderosas para influenciar este “painel de controlo” interno.
Referência:
Johansen, V.B.I., et al. (2025). Brain control of energy homeostasis: Implications for anti-obesity pharmacotherapy. Cell, 188. https://doi.org/10.1016/j.cell.2025.06.010